Com data de 15 de Agosto, o Sr. D. Jacinto Botelho, dirigiu uma Carta a todos os fiéis da Diocese de Lamego, que em seguida se reproduz.
Aos queridos diocesanos, sacerdotes, diáconos, religiosos e leigos, a Graça e a Paz do Senhor!
É já costume dirigir-me a todos os sacerdotes da Diocese nesta época de verão, partilhando alguma reflexão que me pareça oportuna e chamando a atenção para actividades importantes na vida do presbitério. No presente ano, em que celebro os cinquenta anos da minha ordenação sacerdotal, pensei em alargar os destinatários desta mensagem e endereçá-la a todos os diocesanos.
; João Paulo II, logo no princípio do livro precioso Dom e Mistério que escreveu e nos ofereceu por ocasião do seu Jubileu sacerdotal, começa por dizer, respondendo à pergunta: "A história da minha vocação sacerdotal?! É sobretudo Deus que a conhece. Na sua dimensão mais profunda, cada vocação sacerdotal é um grande mistério, é um dom que ultrapassa infinitamente o homem. [...] A vocação é o mistério da eleição divina."
Com o esforço de humildade que Sua Santidade recomenda, não posso deixar de agradecer ao Senhor a magnanimidade do Seu desígnio misericordioso que me chamou e há cinquenta anos me acompanha, não obstante a minha fragilidade e a forma tão limitada e tão falha de generosidade da minha resposta no serviço que me tem sido pedido.
Recordo os tempos da minha infância, a vida de família profundamente cristã, a relação de amizade com tantos sacerdotes que passavam por nossa casa, muito em especial com o meu padrinho de baptismo, P. Jacinto de Almeida Mota.
Desde muito cedo me lembro que manifestei a vontade de ir para o Seminário. Tenho muito viva na memória a impressão profunda daquela tarde de Domingo próximo do Natal, em que com meus pais e irmãos, me dirigia para a Igreja para a devoção do Terço com a Bênção do Santíssimo e por nós passaram os seminaristas conterrâneos que vinham para férias. O pároco na altura, um extraordinário catequista que marcou a nossa Diocese, meu Padrinho de Crisma, C. José Cardoso de Almeida, tinha-nos ensinado que durante a Bênção do Santíssimo podíamos pedir a Jesus o que mais desejássemos. Ainda agora mantenho viva a lembrança de como naquele dia, com o fervor próprio de criança, rezei para que o tempo que faltava para a minha entrada no seminário de Resende passasse depressa.
Recordo os anos no Seminário Menor, carregados de saudades dos pais e dos irmãos, nos primeiros dias de cada período escolar. Era o tempo do pós-guerra com as duras limitações económicas que Portugal também experimentou. As obras de remodelação do edifício do Seminário que se impunham, começaram no meu segundo ano e demoraram vários anos até à sua conclusão, de modo que nos habituámos à situação de provisoriedade dos espaços que habitávamos, desde a Capela, ao salão de estudo, passando pelo refeitório e dormitórios. Mas, sendo pouco cómodo e muito exigente o tempo que se vivia, era de alegria o clima que se respirava e que a equipa dos sacerdotes formadores nos transmitia; e aqueles anos, apesar dos referidos contratempos, foram marcantes, na minha formação humana, cristã e sacerdotal.
O Seminário Maior, o antigo Seminário, com instalações melhores que aquelas que usufruíram os primeiros seminaristas que o habitaram, mas com as carências que tornaram prioritária a construção do novo, foi o lugar providencial do meu amadurecimento na fé e na vocação. O testemunho dos superiores e professores, a convivência amiga com os colegas, a seriedade dos estudos de filosofia e de teologia, aliada a uma exigente e profunda vida de piedade, consolidaram decisões e robusteceram caracteres. As actividades circum-escolares, desde as academias com os trabalhos na área da filosofia ou da teologia que os alunos sob a orientação dos professores apresentavam, em dias festivos, ao teatro e à música - coral e filarmónica - que também nos distraiam e proporcionavam à cidade espectáculos sempre concorridos e apreciados, até à ginástica e ao desporto, eram um complemento valiosíssimo da formação integral que recebíamos e que o nosso Jornal Estrela Polar sabia incrementar. Papel de relevo tiveram no nosso crescimento espiritual e pastoral as associações que alimentavam a vida interior e estimulavam a criatividade dos seus membros, com iniciativas sempre vividas com particular interesse: Congregação Mariana, Conferência Vicentina, Apostolado da Oração, Círculo Missionário e mais tarde o Escutismo. A visita semanal aos pobres, a ida à Cadeia e as aulas de religião e moral nas escolas primárias da cidade, completavam um conjunto variado de ocupações que contribuíam para criar o perfil do futuro padre.
Nem todos os dias tiveram o mesmo encanto e entusiasmo. Até me lembro de algum momento de perplexidade e de certo desânimo, que a Graça de Deus e o auxílio duma sábia Direcção Espiritual me ajudou a superar.
A recepção da prima-tonsura e das ordens menores, do subdiaconado e particularmente do diaconado, com os retiros que proximamente a preparavam, introduziram-nos gradualmente no ambiente de sacralidade que o presbiterado consumou.
O dia 15 de Agosto de 1958 nasceu para mim com a ansiedade normal, perante o momento que iria viver na nossa Catedral. A solenidade do Pontifical passava para segundo plano, frente à benemerência que o Senhor me comunicava pelo ministério episcopal do Senhor D. João da Silva Campos Neves: sacerdote para sempre. Dois dias depois, a 17 de Agosto, um Domingo, dia aniversário de meu pai e dia litúrgico de S. Jacinto da Polónia, cantava a Missa Nova na Igreja de S. Pelágio da Rua, onde recebera o Baptismo, a 18 de Setembro de 1935.
1958 - 2008: 50 anos de sacerdócio: vividos em Roma os 3 primeiros anos; em Lamego, 35 anos, até à nomeação episcopal e 8 como Bispo diocesano; e em Braga, 4 anos. Foram vivências diversificadas. Desde a Universidade, ao Seminário, aos serviços da Cúria, até à experiência da vida paroquial, ou no trabalho com os leigos na assistência espiritual em vários movimentos apostólicos, e no ministério episcopal nos últimos 13 anos, sempre tenho experimentado a riqueza da misericórdia do Senhor que supre e suplanta infinitamente as minhas debilidades e a minha fraqueza.
A autenticidade da gratidão exige o reconhecimento humilde das infidelidades de que tenho consciência, com a obrigação de actualizar permanentemente propósitos sérios de conversão.
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor!
Obrigado, queridos diocesanos, por quererdes comungar os meus sentimentos e pela graça inestimável das vossas orações por mim.
Todas as iniciativas que os 50 anos do meu sacerdócio vêm desencadeando, expressão de júbilo e sobretudo de amizade, quero entendê-las e assim as aceito, como manifestação da fé dum povo crente e bom, oportunidade de formação para os cristãos desta Diocese de Lamego, e estímulo para consolidar a comunhão na Igreja diocesana, preocupação prioritária do meu ministério episcopal.
Nesta linha de gratidão, quero comungar convosco a alegria profunda que vivi ao ordenar precisamente no dia aniversário da minha ordenação sacerdotal, dois novos padres, graça extraordinária e nunca suficientemente agradecida. Peçamos para eles uma fidelidade generosa; e rezemos ao Senhor da Messe para que as nossas famílias, as nossas paróquias, os nossos Seminários, sejam autênticas comunidades vocacionais.
A Carta que na altura recebi de Sua Santidade, Bento XVI, com quem tive a graça e a felicidade de encontrar-me a sós na Visita ad Limina num diálogo que nunca mais poderei esquecer, penhora-me duma forma insolúvel e é circunstância privilegiada para testemunhar ao Santo Padre o mais filial e profundo reconhecimento, com propósitos de incondicional comunhão à sua Pessoa e Magistério.
O Ano Paulino, iniciado nas Vésperas solenes do passado dia 28 de Junho, que fará incidir a nossa atenção em S. Paulo, o apaixonado pelo Senhor que o surpreendeu na estrada de Damasco, "mestre dos gentios na fé e na verdade, apóstolo e propagador de Jesus Cristo", como a si próprio se denomina, com a coincidência providencial de nele se celebrar o Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus na Vida e na Missão da Igreja, Palavra que o Apóstolo das Gentes pregou sem descanso, oportuna e inoportunamente, poderá constituir privilegiado tempo favorável para um revigoramento da pastoral na diocese, na linha da advertência de Sua Santidade Bento XVI na Visita ad Limina e no prosseguimento do projecto que de há anos nos vem dinamizando, e dum empenhamento mais assumido, sobretudo pelos pastores, a começar por mim.
S. Paulo centrou toda a sua vida em Cristo e traduziu no seu viver pelo testemunho a mensagem do Evangelho que primeiro interiorizou, para depois proclamar com desassombro: «Acreditei; por isso falei». Com este mesmo espírito de fé, também nós acreditamos, e por isso falamos (2Cor4,13). Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim (Gl2,20). S. Paulo é o modelo perfeito do verdadeiro evangelizador, paradigma de referência que há-de nortear a nossa solicitude pastoral para sermos autênticos discípulos de Cristo e verdadeiros pastores.
Não faltam publicações que nos ajudarão a viver com proveito este ano de graça e a ajudar os nossos fiéis a aproveitá-lo também. Recomendo em especial a edição da Conferência Episcopal Portuguesa: Um ano a caminhar com São Paulo, da autoria de D. Anacleto de Oliveira, particularmente útil para uma formação continuada de grupos específicos e movimentos apostólicos.
Ao longo dos oito anos que sirvo esta Diocese como Bispo, tem havido a preocupação e o esforço de seguir a planificação pastoral que apresentei na Cata Pastoral de 2001, O nosso Caminho no novo Milénio. Depois de termos vivido os primeiros três anos, procurando aprofundar a consciência de que somos uma comunidade viva, com as consequências que essa realidade implica, ligadas a uma espiritualidade de comunhão, centrámos as nossas atenções, no segundo triénio, na Palavra de Deus, fonte de critérios e iluminação de todas as realizações cristãs". Desde o ano passado vimos a reflectir sobre a vida sacramental, "para na riqueza dos sacramentos experimentarmos a presença de Cristo que assim nos alimenta e nos faz crescer pessoal e comunitariamente e nos torna sinal de salvação para o mundo". A reflexão sobre os sacramentos do Baptismo e da Confirmação, mostrou a urgência da elaboração dum conjunto de normas práticas que, ligadas à preparação cuidada que ambos os sacramentos exigem, facilitem a acção dos nossos párocos e fomentem uniformidade na praxis pastoral.
Os sacramentos da Ordem e do Matrimónio que constituem o programa pastoral do ano 2008-09, ajudar-nos-ão a compreender e a cumprir o pedido de Jesus, até no espírito e como consequência do meu Jubileu sacerdotal: Pedi ao Dono da messe que mande operários para a Sua seara; e a descobrir como a pastoral da família, "comunidade insubstituível e lugar da vocação divina do homem", é fundamental e urgente, face á quantidade crescente de insídias que, camufladas ou às claras, persistentemente lhe são movidas.
O Retiro do Clero, que decorrerá de 9 de Setembro, à noite, até à tarde do dia 12, para o qual peço aos irmãos sacerdotes a imediata inscrição, a Assembleia do Clero e o Dia da Igreja Diocesana, com programação a divulgar, serão ocasiões por excelência para a concretização e consolidação dos propósitos que a renovação e vitalidade desta Igreja de Lamego reclamam.
Uma palavra de estímulo a finalizar esta já longa mensagem.
Aos caríssimos Presbíteros (e também aos Diáconos), eu, presbítero como vós, usando a expressão de S. Pedro, e parafraseando uma das respostas de Bento XVI no habitual encontro com o clero nas férias de Verão, direi: mesmo que geograficamente estejamos distantes, somos uma comunidade de irmãos que devemos sustentar-nos e ajudar-nos uns aos outros. Experimentemos a convivência, aprendamos uns com os outros, encorajemo-nos, estimulemo-nos e consolemo-nos mutuamente, para que a comunhão do Presbitério, em união com o Bispo, torne efectiva e afectiva esta proximidade, de modo a manifestar claramente a recomendação do Concílio: "Os presbíteros cultivem entre si a união fraterna, traduzida tanto em ajuda mútua, espiritual e material, pastoral e pessoal, como nas reuniões e na comunhão de vida, de trabalho e de caridade" (L.G.,28).
Às Religiosas Contemplativas, ou de Vida Activa e aos Membros dos Institutos de Vida Apostólica repito a palavra dos Bispos na Carta Pastoral de 1984: "Criai espaços de silêncio, de edificação espiritual e de comunhão forte com Deus e com os irmãos; estai atentas às novas formas de pobreza e de sofrimento no mundo em que vivemos para lhes dardes resposta em nome da Igreja" (n.º 37). Sem perder a fidelidade aos vossos carismas, procurai inserir-vos nas comunidades diocesanas onde viveis.
Aos nossos Jovens, incluindo os irmãos Seminaristas, gosto de dirigir-vos a saudação a que os últimos Papas vos habituaram: "Sois a esperança da Igreja e da sociedade, sois o rosto jovem da Igreja", mas - reparai - um rosto que é preciso configurar continuamente com o do Eterno Jovem, Jesus Cristo, por uma piedade séria e assídua, e por uma formação exigente e perseverante.
Aos Leigos a quem compete, por direito e por dever, a edificação cristã da ordem temporal, lembro a necessidade duma preparação permanente, em ordem a um testemunho válido e coerente, tendo sempre em conta que são estes os campos onde prioritariamente deveis assumir a vossa responsabilidade: a família, a profissão e a vida politico-social.
Um abraço, com a minha Bênção.
Lamego, 15 de Agosto, Solenidade da Assunção de 2008
(no 50.º aniversário da minha ordenação sacerdotal)
In Diocese de Lamego>>
Sem comentários:
Enviar um comentário